Pois é, pessoal. Quem diria que um dia isso viria a acontecer! O rock 'n' roll tornou-se música feita por gente careta! Desde os seus primórdios na década de 1950, o rock surgiu como uma voz oposta aos chamados ditames “da moralidade e dos bons costumes”. Quando Chuck Berry, Little Richard e Bo Diddley enfureceram homens brancos racistas de meia idade, quando esses souberam que seus filhos estavam dançando o frenético ritmo do twist. Elvis Presley horrorizou os moralistas com seu rebolado transmitido em cadeia nacional. John Lennon e os Beatles causaram a revolta dos religiosos fanáticos, pela afirmação de que os Beatles eram mais famosos do que Jesus Cristo. Os Rolling Stones e The Who eram a antítese do bom comportamento. Os jovens hippies usavam drogas psicodélicas e pregavam a paz e o amor livre em contraposição dos velhos moralistas e paranoicos que financiavam e promoviam a guerra do Vietnã. Jimi Hendrix no meio de um concerto, incendiava sua guitarra em um ritual, que para muitos moralistas era profano. Rob Tyner a frente do MC5 gritava: “Kick out the jams, motherfuckers!” (Chutem as elites). David Bowie personificava a androginia em contraponto à sociedade conservadora ocidental. Jovens punks gritavam sentimentos de desespero e frustração contra uma sociedade capitalista, que a cada dia se tornava mais fria, indiferente e desumana. O peso do heavy metal desafiou a música comportada e comercial das FM's...
Todavia, em plena segunda década do século XXI, vemos músicos de rock defendendo tudo aquilo que seus antecessores (e alguns deles mesmos), repudiavam no passado: A caretice e o falso moralismo.
Dave Mustaine, o primeiro guitarrista solista do Metallica e eterno líder do Megadeth, durante as décadas de 1980 e 1990, dizia-se anarquista e fazia discursos duros contra os governos, sobretudo à administração Reagan. Mustaine defendia uma completa descrença nas autoridades, em especial nas autoridades de cunho conservador. Entrementes, hoje rebatizado em uma igreja evangélica, o líder do Megadeth ao contrário da maneira como agia durante sua juventude, é membro do conservador Partido Republicano e defende a promoção de guerras bárbaras, como a Guerra do Iraque e a obediência aos preceitos morais do cristianismo neopentecostal. O Megadeth ainda é uma banda de heavy/speed/thrash metal, porém hoje suas letras falam acerca das novas crenças conservadoras de seu líder e muitos sucessos de outrora foram descartados em definitivo das set lists dos concertos.
Ted Nugent é o mais extremo de todos os roqueiros reacionários. Tendo sua carreira iniciada na década de 1960, o guitarrista dono do hit “Cat Scratch Fever”, hoje não apenas é membro do Partido Republicano, como também são notórias suas declarações racistas e xenofóbicas, que este costuma dar durante entrevistas. “Tio” Ted (alcunha da qual gosta de ser chamado), não aceita mais fazer concertos fora de território estadunidense e gaba-se por isso. Em uma de suas declarações polêmicas, afirmou que não faria uma turnê pela América Latina, pois “ficaria tentado a alimentar os animais.” O engraçado, é que se a tal turnê ocorresse, seriam os “animais” que dariam alimento ao Ted Nugent. Mas, enfim...
No Brasil, dentre os músicos de rock que enveredaram para o conservadorismo, se destacam Roger Moreira (líder do Ultraje A Rigor) e Lobão. Lobão, em especial, fazendo a voz mais alta do coro neoconservador, chegou a defender a ditadura do regime militar de 1964 e alinhou-se ideologicamente com teóricos da conspiração, como por exemplo, o ex-astrólogo e guru de autoajuda ideológica, Olavo de Carvalho.
Recentemente, assisti a um vídeo em que o guitarrista da banda Dr. Sin, Eduardo Ardanuy, reprovava (com um grão de areia de razão), a atual metodologia da educação musical no ensino público, citando Mozart, Bach e Beethoven e fazendo a seguinte declaração: “O pop é cancerígeno.” Tendo em vista tal frase, é de supor que seu autor não seja componente de uma banda de heavy metal, mas sim, um maestro ou um compositor de óperas, certo? Até porque, heavy metal é música popular, assim como a axé music, o pagode e tudo o que não seja erudito (sim, o jazz também é música popular).
Sim, tenho ciência de que sempre existiu um lado reacionário no rock. Basta notar a existência desde a década de 1980, das bandas de RAC (Rock Against Communism, um subgênero que mescla a música punk com hard rock, feito por bandas de ideologia neonazista). Entretanto, nenhuma dessas bandas fizeram parte da cena mainstream, pois mesmo visando o lucro, nenhuma grande gravadora investiria em algo que remetesse à extrema-direita.
Deixo notar que meu modo de pensar tende à corrente social-democrata e que não sou favorável a nenhum partido político. Pois no Brasil, dentre os partidos que possuem maior visibilidade na mídia, nenhum destes segue uma ideologia. Não passam de partidos neoliberais vazios, que possuem o mesmo modus operandi e praticam em comum acordo, o apelo à manutenção do status quo.
Por derradeiro, deixo aos roqueiros reacionários como mensagem final, o título da clássica série de álbuns do mestre Frank Zappa: "Shut up 'n play yer guitar!" (Cale a boca e toque sua guitarra!)